quarta-feira, 22 de agosto de 2007

João

Publicada em obra* recente a história de um homem honesto que perdeu sua fé**. Mas que fé era esta se todas manhãs eram mais amargas e vazias que os últimos minutos de lucidez em um domingo no final do feriado? E que honestidade era esta se além de enganar o mundo enganava a si mesmo? E que homem era este que encarava seus medos com o vigor de suas pernas e com a coragem de um pobre solitário?

A história de um João perturbado que escondia do mundo sua paixão por flores, mas exalava, ao mesmo tempo, uma brutalidade e aspereza que não eram suas. O tempo, co-irmão, providenciou a frieza necessária para que seu coração não mais sussurrasse brando e seus olhares, cada vez mais intimidadores, não mais viam a pureza e clemência nos homens.

As mãos que confortavam as indefesas não mais o fizeram. E só saíam de seu bolso para acender o cigarro, de palha, pois o de filtro não gostava mais. Os sorrisos nunca mais foram vistos, assim como as marcas em seu joelho, que não mais tocaram o chão, em uma tentativa de conhecer uma razão, a qual teimava em não chamar de Deus.

Em seus pensamentos um nada. O que sabia administrar muitíssimo bem. Em suas costas, um fardo muito grande para qualquer covarde carregar. Na consciência, a certeza de que nada valia. Valia sim o vagar, rumar, o sempre esperar. Mais pela certeza das incertezas do que qualquer tipo de esperança vã.

Na carteira, o retrato de suas paixões. Não fotos, mas o espaço livre para receber tudo aquilo que nem mesmo sabe se ainda quer. No armário, lembranças de tudo aquilo que entregou à vida. No quarto, a escuridão que oferece os raros segundos de serenidade, misturados à tudo o que pode levá-lo a um outro lugar. Que parece cada vez mais interessante que atender qualquer chamado, mesmo dos poucos que ainda lhe são familiares.

O futuro deixou de ser o amanhã, e tornou-se a longa espera pela próxima inspiração para respirar. Do passado não lembrava mais e o presente não era um presente, mas um castigo. Tão duro quanto a necessidade de parar de beber. Mudança tão cruel que o fez não mais amar a si próprio, apesar de ainda lacrimejar ao ver uma pequena criança sorrir ao brincar com um cachorro.Quando perguntado sobre Deus, por um esbelta dona de casa, na praça em que cumpria sua pena, o homem respondeu: Acreditar não é preciso, sonhar é preciso!


* New Maps of Hell, Bad Religion, EpitaphRecords, 2007
** Inspirado em Dearly Beloved, New Maps of Hell, de Gregory Graffin

3 comentários:

Helder Maldonado disse...

Solidão, meu querido. Isso me lembra solidão.

: Giovanna Pelin disse...

senti uma pontada no meu cotovelo!

o que será?

quando eu crescer, escreverei igual ao Tio Vitão e o Tio Helder! hahaha

Bjuu

Unknown disse...

me bateu uma solidão lendo isso ...
=/
muito triste!


adoro tds os seus textos vitão!!!

beijoooos